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INQUIETO

"Mas sigo o meu trilho. Falo o que sinto e sinto muito o que falo - pois morro sempre que calo." (Affonso Romano de Sant'Anna_Que País é Este?)

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Ela não vai estar

Ainda que a noite seja tenra
e os passos largos
procuro seus olhos ante ao vidro
Pois seu repleto sorriso
abriu--se pros meus olhos
mesmo que outros olhos os neguem
Ainda que a noite seja dura
sob calçadas lisas e sujas
conforto todas as dores
em saber das luzes frias
que lhe dão vida, a cada manhã
Ainda que a noite seja surda
envolta em brumas
lhe tenho como o farol
que orienta os devaneios
dá senso aos desejos
e vitrifica os sonhos
Ainda que a noite seja oculta
e despedace minhas culpas
não esconde o lado oculto da face
onde se opõem as sensações
impostas pelo pudor
ou evitadas pela paura
Ainda que a noite seja longa ou curta
o tempo redobra a luta
e as dores no corpo
já sedimentadas por todo o dorso
Só amenizadas na loucura,
com esquecimento e alienação
Ainda que a noite seja fuga
tenha no medo, a procura
não se encontra lar
em nenhum dos recantos
que me serviram de repouso
nem nos gramados
onde depositei o cansaço
Não amenizam a ausência
que há dentro de mim
e de si
Ainda que a noite torne-se dia
e dê brilhos à porcelana em sua arcada dentária
eram as sombras que me permitiam ver
em você
os buracos que me preenchiam
Eram as dúvidas
e não as respostas
que esclareciam os medos
De dia
por ver mais que possa entender
atribuo sentidos inexatos às curvas
Encho os olhos de clamor
Mas percebo
que a atenção voltada à mim
é cartaz
encenação afigurada
em sentimentos reprimidos
dentro de mim
e partilhado pelos espectadores
em que se arvoram
as sinas

Vai e Voa

Me dá certa liberdade
Fico todo soltinho
Deixe o vento ir

Porque, meu bem
Seu ar vai, vente
Dá desordem em mim

Que sou seu doido
Sem destino
Ligo estar aí

E aqui,
Não venha e deixe
Sei que sente

Mas seu seja
Não dá um terço
Ou pressa à oração

Peço-lhe seus seixos
Rolem sem dejetos
E nos forme chão

Vai, voa e veleje
Tem seus mares
E pedras

Tem de estar
Tem de ir
E ser

Seu caminho é vela
Infla e lhe venera
Leva e louva
Em si

Ideolatria

Nossa cabeça
tem na incerteza
o caminho dos sentidos

eu vejo e atribuo
dou linhas aos pontos

Desenho horizontes
sem ter onde
lhes sustentar

A minha e a sua testa
buscam fazer festa
de todo confete

Nos bastam três manchas
pra lhe dar chances
e pinta, em relance,
fato e sentimentos

Onde há luz e tempo
junta-se elementos
e lhes faz sambar

Cada ponto e traço
têm o seu espaço
em nossas certezas

Criam descompasso
por mero cansaço
da nossa telha

Se olharmos bem
tudo o que contêm
está no tutano
de nossos decanos

Deles é de quem
roubamos
tudo o que pensamos

Pouco nos há além
Disso nos compomos
Traços e troncos
Letras e tomos
Os quais nos puseram
e nos impõem

O Carrossel dos seus Bichos

Seu rosto é mancha em um perfil
Checo, no momento, o quanto de si,
Em meu pensamento, realmente existiu

Releio suas mensagens e poemas
Ouço seus áudios já tocados
E me toco
O seu caminho me é visível
Sem que possa ter um retrato seu

O espírito dos seus trejeitos
Habita os meus meios
Sem lhe dar pistas
Nem deixar lhes veios

As imagens que tenho de si
Podem ser invento
Ou proveito

Os sabores que senti
São parte dos seus rumos
São portas pros desenhos
Guardados em camadas
Formadas
Por esboços de comportamentos
E delírios

Rodam em um carrosel,
seus bichos
Onde a cada giro
Há novos seus


Me preenchendo e submergindo